Entenda a crise


O presente texto, fruto de pesquisa de informações disponíveis na mídia, tem por objeto, levar aos leitores numa linguagem compreensível, um resumo de fatos, que explicam a sequência da crise financeira iniciada no mercado norte-americano:
Numa primeira etapa atingiu o mercado financeiro internacional, em Fevereiro de 2.007, sob a forma de “crise do crédito hipotecário de alto risco”; atingindo a área financeira e acionária, havia desencadeado em 2.006 a partir da quebra dos empréstimos hipotecários de alto risco que, nos Estados Unidos são denominados “subprimes”; e alastrou-se a outros mercados “globalizados”, a partir do primeiro semestre de 2.007.
Os “subprimes” são modalidades de operações de créditos de risco elevado, concedidos por bancos e que envolvem operações hipotecárias, cartões de créditos, leasing, aluguéis de carros e imoveis, e outras, que foram realizadas nos Estados Unidos, tendo como clientes, geralmente, pessoas sem adequada comprovação de renda, ou com antecedentes negativos de crédito. As taxas de juros praticadas nestas operações, são elevadas e pós-fixadas, isto é, são imprevisiveis, variáveis e determinadas à época do pagamento das dívidas.
Como aconteceu uma disparada dos juros americanos, muitos mutuários ficaram inadimplentes, sem condições de pagar as suas dívidas aos bancos. Em decorrencia, a crise do crédito hipotecário provocou, a partir de meados de 2.007, uma crise de confiança geral no sistema financeiro – a confiabilidade, é o suporte fundamental de um mercado – o que ocasionou a falência de bancos comerciais e de investimentos e uma crise de liquidez bancária – corrida aos bancos para saques imediatos pelos correntistas.
À época, os Bancos Centrais dos paises atingidos, para evitar que a crise contaminasse o sistema bancário, foram obrigados a injetar dinheiro no mercado interbancário para evitar que outros bancos quebrassem e que a crise se expandisse, em escala mundial, gerando um “efeito dominó” de dificil controle.
Os reflexos desses movimentos inesperados no mercado, foram negativos principalmente para o “grau de confiança” dos investidores e, as “soluções paliativas”, não chegaram a produzir resultados muito satisfatórios. Na verdade, seus efeitos foram apenas “abrandados” ou protelados, porque as ações dos governos, tiveram carater superficial e emergencial, não sendo possivel sanar as imperfeições acumuladas no sistema financeiro como um todo.
Recentemente, a partir do segundo semestre deste ano, a crise, iniciada e acumulada desde 2.006, atingiu maior complexidade, levando o governo americano a optar pela estatização de duas grandes instituições do mercado de creditos pessoais e hipotecas - a Federal National Mortgage Association (FNMA), e a Federal Home Loan Mortgage Corporation (FHLMC), - que àquela altura, já estavam virtualmente “quebradas”. A iniciativa governamental, gerou maiores especulações, boatos e incertezas, porque sinalizava indicios de uma “doença muito grave”. Em poucos dias, sobreveio um pedido de concordata de um banco tradicional de investimentos americano, o famoso, “Lehman Brothers”, uma instituição que operava no mercado há mais de 150 anos; o publico e os investidores, sentiram calafrios, ao ver um dos pilares financeiros de Wall Street desabar, como se fosse uma das “Torres Gemeas”, e o cenário de pavor, completou-se com a venda, ao Bank of America, da corretora Merrill Lynch, até então, considerada uma das maiores corretoras do mundo.
Nos dias seguintes, que ainda estamos vivenciando, sobreveio uma sequência de falências e quebras de instituições financeiras, contaminando o já abalado mercado, e provocando num primeiro momento, a maior queda do índice “Dow Jones” e de bolsas de valores internacionais desde o fatidico 11/09/2.001.
Teoria do caos
Lembram-se da “Teoria do Caos” ? Aquela historia de “uma pequena borboleta que bate asas na China e, faz propagar ondas, que podem provocar um ciclone nos EUA” ? Pois bem. Dessa vez, parece que foi um “grande Pterodáctilo”, que balançou asas na própria “Wall Street” e, propagou ondas que se refletiram nos mercados do mundo inteiro.
A forte turbulência que abalou os mercados nos primeiros dias de setembro, agravou-se, com a queda de 60% no preço das ações da American International Group Inc. (AIG), a maior seguradora dos EUA, enquanto o Federal Reserve (o BC dos EUA), iniciava uma serie de injeções de liquidez (dinheiro) e negociava concessões de credito com os bancos: J. P. Morgan e Goldman Sachs, para amenizar o baque da AIG, emergencialmente abortado pela intervenção governamental.
Seguiram-se dias de fortes oscilações na bolsa de valores americana, com reflexos em cadeia nas bolsas de outros paises e, a falência do Washington Mutual, considerado o sexto maior banco americano em ativos, cujos ativos foram absorvidos pelo J P Morgan Chase, e uma serie de outros abalos no sistema bancário, resultando ora em fusões com ingerência do governo através injeções de liquidez, ora em quebras irreversíveis.
O nervosismo no mercado, era acompanhado pela forte tensão no ambiente governamental, que sinalizava com a perspectiva de aprovar no congresso americano, um “pacote de ajuda financeira” da ordem de US$ 700 bilhões de dólares, o qual, consiste em empréstimos diretos a instituições em dificuldades, absorção pelo tesouro americano da principal parcela de “títulos podres” – aqueles de liquidez mais duvidosa – e outras medidas monetárias sob condução do FED.
A expectativa considerada positiva pelas partes envolvidas, amenizou um pouco a turbulência no mercado, mas encontrou resistências principalmente do próprio Partido Republicano (do Presidente BUSH), o qual, historicamente repudia intervenções do Estado, que resultem em ônus para o publico e regulamentações limitativas do mercado.
Este, o cenário em que encerrou a ultima semana.
No Brasil, os reflexos imediatos da crise, ocasionaram quedas no IBOVESPA e alta do dólar e dos juros, obrigando intervenções do nosso BC, com injeções de liquidez, para minimizar efeitos danosos da brusca oscilação da taxa de cambio. Gradativamente, outros estragos estão sendo revelados, atingindo grandes grupos empresariais do mercado financeiro e da “economia real” que, nos últimos anos, passaram a manter elevadas posições abertas em “derivativos” – (credit default swaps ou CDS): titulos e contratos lastreados em recebiveis de credito imobiliário – para fins de especulação não operacional, ou sejam, operações financeiras, alheias às atividades fins das empresas, que antes da crise, vinham proporcionando elevados lucros, mas com elevado grau de risco. A brusca queda da liquidez face à desvalorização violenta destes “derivativos” no mercado, e a violenta alta do dólar num curto espaço de poucos dias, já produz efeitos negativos no “grau de confiança” dos investidores, levando o BC a liberar parte dos depósitos compulsórios, para aliviar a liquidez do mercado.

Obviamente, a essa altura estarão perguntando: “Todas estas coisas aconteceram de repente e, não houve qualquer previsão ou medida corretiva ?”
Imaginem uma criança inocente e sapeca, brincando num daqueles brinquedos perigosos de um parque da cidade. Os pais ralham com o filho: “Cuidado com este brinquedo, porque você pode cair e se machucar.” Mas, geralmente, os pais não retiram o filho do brinquedo, porque acabam se divertindo com as peraltices do garoto. De repente, a criança cai e se machuca; não foi por falta de aviso, ou por desconhecer os riscos... Você deve conhecer ou já ouviu falar, de algum jogador compulsivo, daqueles que vive eletrizado com a crença de que vai ganhar uma bolada, e continua jogando, a ponto de comprometer o parco orçamento. Alguns chegam a um grau de envolvimento com o jogo, a ponto de ir à bancarrota; também não é por falta de avisos, ou por desconhecer os riscos...
“Pode-se fazer uma transposição dos jogos para a volatilidade financeira, porque o jogo e as instituições que o promovem geram uma estimativa inflada do potencial que se tem para a sorte, um interesse exacerbado pelo sucesso de um indivíduo, comparado a outros, e um novo meio para estimular alguém a fugir da monotonia.” (Schiller, R. – Exuberância Irracional, p. 38).
A citação acima, revela a estreita identidade entre o que acontece em alguns seguimentos do mercado, e numa banca de jogos de azar.
Em 1.996, o então presidente do FED, Alan Greenspan, usou a expressão: “exuberância irracional”, para alertar o publico investidor, do alto grau especulativo que elevara os preços das ações em Wall Street a níveis preocupantes, considerados altos e insustentáveis. Refletia preocupação com a influencia da psicologia do mercado; uma preocupação, com os fatos e tendências que tiveram origem muito antes.
A partir do inicio dos anos 80, varias crises aportaram no mercado financeiro internacional; em 1982, o índice Dow Jones, vinha apresentando altas expressivas dos preços das ações, não justificadas pelos níveis de desempenho de lucros reais das empresas, ultrapassando em muito as series históricas da relação preço-lucro. Para se ter uma idéia, no inicio de 1.994, o índice Dow Jones se encontrava em 3.600 pontos; em 1.999, chegou a superar os 11.700 pontos e, ainda no inicio de 2.000, o índice já ultrapassava os 11.700 pontos – uma elevação da ordem de 225%, enquanto no mesmo período, o PIB da Economia americana cresceu apenas 15% e, os lucros médios das empresas, atingia crescimento inferior a 60%.
No fatídico 19 de outubro de 1.987, o Dow Jones desabou 22,6% num mesmo dia, na crise marcada pelo “program trading”, e que segundo os analistas, refletia a deterioração do dólar frente outras moedas, mas a motivação maior, já era uma elevada liquidez artificial, gerada por investimentos especulativos. A titulo de comparação, no violento crash da bolsa em 1.929, a queda chegou a 11,7%. A intervenção administrativa do FED, amenizou os efeitos do colapso de 1.987, mas não evitou outros abalos sucessivos; em 1.990, com a crise das “S & L” (saving and Loans) – empresas que captavam recursos a 3% e emprestavam a 6%, numa farra especulativa que ocasionou quebras de empresas envolvidas em fraudes; em 1.992, numa crise parecida com a atual, novas empresas quebraram e o FED (como sempre), corrigiu a liquidez do sistema.
Seguiu-se a crise da Ásia, em 1.997; a moratória da Rússia em agosto de 1.998 e, em 2.000, a famosa crise provocada pela queda do NASDAQ – ações das empresas “ponto com”, ou ações de alta tecnologia. Em 2.001, aconteceu a crise da Argentina e, uns malucos lançaram aviões contra as “Torres Gêmeas” e o Pentágono, deflagrando uma nova crise no mercado financeiro americano, com reflexos internacionais, que quase leva o pais à bancarrota e o resto do mundo no vácuo.
Nas diversas situações, o FED americano, aliado aos BCs dos demais paises envolvidos, tem sido a válvula de escape, num processo, que Alan Greenspan denominou “resiliencia” – capacidade de adaptação, de absorção dos impactos das economias.
Quais fatores teriam influenciado ou contribuído para repetição destas crises ?


Paulo Mendes - Economista

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