Há algo de podre no “reino da Dinamarca...”

A tão conhecida frase, esta numa das traduções do Ato I, Cena 4, de Hamlet, de Shakespeare, um gênio que produziu algumas das mais famosas e clássicas obras do teatro.
Embora produzida há tanto tempo, aplica-se como uma luva ao momento histórico-eleitoral que vivemos. Principalmente, porque esta sendo tratada como mera “frase de teatro”, apesar da gravidade dos fatos que inspiram sua repetição, no atual contexto.
A platéia de eleitores, assiste passiva, entorpecida e inerte, ao desenrolar dos capítulos de uma novela de fatos escabrosos no âmbito dos núcleos mais elevados do governo. A tão decantada Casa Civil, ambiente mais próximo da Presidência, parece ter se convertido num “Teatro de Horrores”, face a sucessão de escândalos que a envolveram nos últimos anos.
Convenientemente, mesmo os casos mais absurdos e evidentes, envolvendo figuras do alto escalão da Republica, foram até então, objeto ate de piadas, metáforas e argumentos malabaristicos, sempre na insistente desfaçatez que, objetiva rechaçar, desmentir, afastar deliberadamente, qualquer responsabilidade ou envolvimento dos nossos mandatários.
Por maior boa vontade que se tenha, e para não fazer “maus juízos”, não podemos deixar de reconhecer que, inegavelmente e no mínimo, pesa sobre nossos atuais dirigentes, a inegável responsabilidade pelas escolhas pessoais e indicações de envolvidos.
Peca-se no âmbito do setor publico, por ações e omissões. Por ações, entenda-se a tenebrosa e criminosa participação direta ou indireta. Quando descartada essa hipótese, recai-se na situação de omissões, que podem ser deliberadas, incidindo-se no grave erro da conivência ou excesso de confiança, que não se pode admitir no trato da coisa publica. Ou incompetência gerencial, quando se recorre a escolhas pautadas em favoritismos pessoais ou desprovidas de critérios racionais de seletividade; incorre-se no abuso de poder, por recurso ao arbítrio desmesurado, incompatível com qualquer função publica. Ou ainda, no descaso pela seriedade de cargos e funções, que exigem um acompanhamento e fiscalização continuada, como alternativa responsável de se evitar eventuais desvios.
Creio que no teatro do horário eleitoral, a platéia acaba embevecida pelas imagens, números, gestos, posturas fantasiosas, efeitos especiais tecnicamente elaborados, que inapelavelmente, a afasta para longe de qualquer conteúdo. Ate frases como as de Shakespeare, passam despercebidas, são ignoradas, parecem não importar. E efetivamente, acabam por não importar nem produzir efeitos, como também não importam, a ausência de conteúdos programáticos, ideológicos, políticos.
Nesse contexto, a razão submerge num mar de fantasias e ficções. Os candidatos, apresentam-se como marionetes de marketeiros escolados na hábil função de distancia-los do mundo real. Convertem-se em “mercadorias” a ser ofertadas numa determinada embalagem, como se fossem “presentes” futuros para os eleitores. Suas historias, experiências de vida, suas crenças e atos de qualquer magnitude ou matiz, são virtualmente extirpadas, sepultadas e substituídas por um enredo teatral, onde cada ato, constituído de cenas concatenadas numa ordem previa e maquiavelicamente elaborada, são exibidas objetivando criar a empatia com o eleitor, alvo de toda essa maquinação. As pessoas, nem se dão conta que aquelas figuras exibidas, não passam de personagens construídos no imaginário de gênios do teatro ou do marketing. Como no teatro, se alguém encontrar um “Hamlet” circulando pelas ruas, ou num palanque de comício, vai abraça-lo, cumprimenta-lo, corteja-lo, sem ao menos perceber que se trata de um mero ator, que soube decorar e representar bem o papel que lhe foi designado, para um momento.A diferença nesse caso, também passa despercebida. No teatro, vamos “assistir a uma peça” clássica, famosa, que nos propicia momentos de lazer. No horário eleitoral, estão nos “pregando uma peça”, que vai nos condenar a pelo menos, quatro anos de terríveis dores de cabeça e desilusões, com tudo de podre que há no reino da Dinamarca...

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