Os “evangelistas”.





“Bancos e banqueiros são cegos por natureza. Eles não viram o que estava acontecendo. [...] Os sinais presentes sugerem que os banqueiros do mundo têm propensão ao suicídio. A cada etapa eles têm-se mostrado contrários a tomar um remédio bastante drástico, e agora já se deixou que as coisas fossem tão longe que se tornou extraordinariamente difícil encontrar uma saída. [...] Uma Conspiração de Banqueiros ! A idéia é absurda. Antes houvesse uma ! Assim, se eles se salvarem, será, eu espero, a despeito deles mesmos”. (Keynes, John Maynard. “As conseqüências, para os bancos, das mudanças nos valores em dinheiro”. Agosto de 1.931).

Diante os fatos dos últimos dias, que abalaram o mercado financeiro internacional, com epicentro nos EUA, poderíamos imaginar que, o comentario escrito há 77 anos, quando o mundo ainda se ressentia dos abalos provocados pelo crash na bolsa, de 1.929, seria tão atual, a ponto de nos confundir com algum texto de jornal ou revista recente.

O leitor, atônito diante o vai e vem das bolsas de valores, de mercadorias e futuros, seguramente já imaginou a hipótese de um “apocalipse” financeiro. Certamente também, já leu algum texto de uns tantos “evangelistas” econômicos, que a essa hora, tentam fazer ressoar as trombetas, anunciando “o fim do capitalismo”, o “fim de Wall Street”, a morte do touro que simbolizava a gigante “Merrill Lynch”, sob os escombros dela própria e do não menos gigante “Lehman Brothers”.

Quem vivesse na Republica das Sete Províncias Unidas dos Paises Baixos do século XVII, teria a mesma impressão, diante a famosa “crise das tulipas”, que quase levou o pais e outros centros de negócios à bancarrota. Em Haarlem, um bulbo da mais famosa “Semmper Augustos”, chegou a ser arrematado por 6.000 florins ! À época, a renda media anual de um holandês, era de 150 florins ! Charles Mackay, um jornalista inglês, relatou em 1.843, em seu livro “Memorando de extraordinários engodos e a loucura das multidões”. Esse episodio, cercado de lendas e comentarios extravagantes, ainda hoje é retratado como a “primeira grande bolha especulativa da historia econômica”. E o mundo, não acabou ali, apesar de vários “evangelistas” da época, que fizeram ressoar trombetas do apocalipse.

No auge da crise dos anos 20, o crash de 1.929, aconteceu quando o BC americano era independente. Demorou a intervir no mercado, o que agravou a crise com as limitações de credito, principalmente porque “evangelistas” fundamentalistas, se opunham às proposições corretivas. Entretanto, foram as regulamentações e intervenções impostas pelo “Emergency Bank Bill” e pelo “Glass-Steagall Act”, em 1.933, que viabilizariam a estruturação de uma nova arquitetura financeira.

Em verdade, as crises financeiras aconteceram e continuarão a acontecer, como resultantes de circunstâncias combinadas, que demandam reajustamentos corretivos e, não podem ser consideradas apenas no plano superficial de erros e desacertos no mundo das finanças. Este, apenas espelha como um termômetro, os sintomas de doenças que acabam se tornando crônicas na economia. No exemplo da crise das tulipas, os “evangelistas” sempre omitem, que os Paises Baixos estavam envolvidos na “Guerra dos Trinta Anos” na Europa e, foram atingidos por uma devastadora epidemia de peste bubônica. Na crise de 1.929, omitem o cenário problemático das reparações de guerra impostas à Alemanha e seus reflexos nas finanças internacionais, que mergulhara numa crise político-economica, o terreno fértil que logo a seguir, levaria à deflagração da 2ª Guerra Mundial. Hoje, temos um cenário diferente, mas também afetado pelo ambiente de conflito entre potencias, pela hegemonia no mundo econômico. Os banqueiros e o sistema financeiro, são apenas “atores” nesse palco.

Observe que a lição de Keynes, nos alerta contra os “evangelistas” do apocalipse. A atual crise, vai ser superada, “apesar dos banqueiros”... – Paulo Mendes - Economista

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