Aspectos de uma crise globalizada
A partir do inicio dos anos 80, o mundo dos negócios passou a sofrer influencias de novas tendências – “mudança de paradigmas” – na linguagem dos analistas: ênfase na desregulamentação dos mercados, processos de privatização em muitas nações, inicio de um ciclo de crescimento continuado da economia mundial real.
Robert Schiller, em seu livro: “Exuberância irracional”, enumera alguns fatores que, contribuíram ou foram decisivos para eclosão das sucessivas crises no período:
1 – Mito da Revolução da Informação: o advento da Internet, leva as pessoas a supor que ela tem uma enorme importância econômica. Paralelamente, os lucros das empresas americanas aumentaram firmemente experimentando forte impulso a partir de 1994, em decorrência da recuperação da economia após a recessão de 1990-1991. Segundo o autor, isso nada teve a ver com a Internet, mas, criou-se o mito que a nova tecnologia de informação, havia criado uma era de crescimento continuo dos lucros.
2 – Triunfalismo e declínio dos rivais estrangeiros: reformas econômicas na China, a partir de meados da década de 70, e o fim da URSS em 1991, geram crescente confiança no sistema capitalista dominante, que transborda para uma confiança crescente no mercado norte-americano. O declínio do mercado japonês a partir de 1989, com uma recessão de 10 anos e a crise financeira da Ásia, em 1997-1998, é interpretado como enfraquecimento de rivais econômicos importantes dos EUA e, visto como boa noticia para as empresas norte-americanas.
3 – Mudanças culturais: um crescente materialismo, leva as pessoas a considerarem “obter mais dinheiro”, como opção para levar uma vida boa. Isso impulsionou os investimentos em ações, como alternativa de rápido enriquecimento.
4 – Deduções nos impostos sobre ganhos de capital: em 1994, o Senado americano aprovou redução dos impostos sobre ganhos de capital, de 28% para 20%. Cria-se uma expectativa de reduções futuras e, os investidores adiam a venda de ações, sustentando preços elevados.
5 – A geração do pós-guerra: os EUA viveram forte expansão demográfica nos anos 1946-1966. Na virada do novo século, essa geração amadurecera, com idades entre 35 a 55 anos; representando forte demanda por investimentos em ações, fundos, etc, como alternativa para financiar suas aposentadorias.
6 – Expansão dos programas de noticias de negócios na mídia: o aumento considerável de programas e reportagens sobre negócios, na mídia, tal como acontece em relação a produtos de consumo, leva as pessoas a conhecerem e se familiarizar com os mercados e seus novos atrativos de investimentos.
7 – Previsões cada vez mais otimistas dos analistas: os analistas relutam em recomendar a venda de qualquer coisa: a) uma recomendação de venda, pode provocar a ira da empresa envolvida; b) os analistas são cada vez mais, empregados das próprias empresas, que lançam ações na bolsa.
8 – Expansão dos Planos de Aposentadoria com contribuição definida: as reformas na natureza dos planos governamentais de aposentadoria dos empregados e funcionários públicos, incentivam as pessoas a aprender como fazer investimentos e a fazer escolhas no mercado, estimulando os investimentos; uma preocupação antes inexistente, face ao caráter paternalista de muitos sistemas públicos.
9 – O crescimento dos fundos mútuos: a busca frenética por opções de investimento que assegurassem rendas futuras, leva à multiplicação de instituições especializadas neste mercado, a tal ponto que, nos EUA, o numero de fundos de investimentos, chega a superar o numero de ações listadas na bolsa de valores de NY.
Ainda seguindo os fatores enumerados por Schiller:
10 – A expansão no volume de negócios: O aumento do acesso aos mercados produz ampliação descontrolada do próprio mercado e diversificação das modalidades de negócios, em ações, títulos de renda, opções, derivativos, commodities, moedas, etc. Entre 1982 e 1999, por exemplo, a taxa de giro (o total de ações vendidas em um ano dividido pelo numero total de ações) na bolsa de NY, aumentou de 42% para 78%. Esse aumento, em grande parte foi estimulado pela redução das comissões de corretagem nos EUA.
11 – O aumento das oportunidades de jogos a dinheiro: até 1970, as oportunidades legais de jogos de azar, nos EUA, resumiam-se praticamente às corridas de cavalos. Em meados da década de 70, observa-se expansão das loterias e, a partir de então, multiplicam-se também os cassinos. O aumento das instituições de jogos de azar e a maior freqüência destes jogos, contribuíram para a supressão das “duvidas” naturais contra os riscos – fator psicológico - com reflexos na expansão dos mercados financeiros, face as características similares de um “jogo”: liga-se um computador, digitam-se alguns dados, recebe-se um comprovante e, mergulha-se num fenômeno nacional contagiante.
Todos esses fatores combinados, criaram uma “psicologia” coletiva de alta continua dos preços das ações e demais títulos que, ao impulsionar a demanda por aplicações, se tornou “auto-realizável” – a denominada “exuberância irracional”, segundo Alan Greenspan, consistiu num aumento continuo dos preços dos títulos, sem “fundamento racional”, porque não acompanhado de aumentos na mesma proporção dos lucros e dividendos.
O contexto da combinação de fatores citados, alimentado pela diversificação e ampliação de negócios, teve na globalização dos mercados, um terreno fértil, para fazer prosperar uma integração crescente. A redução das taxas de retorno praticadas nas nações mais desenvolvidas, estendeu o ambiente especulativo a novos horizontes, atingindo os denominados paises emergentes, como o Brasil, na busca frenética por maiores lucros.
A denominada “bolha imobiliária”, e paralelamente os “subprimes”, nasceram sob influencia da avidez por novas modalidades de negócios, gerando as derivações deles decorrentes. Na Europa, o advento do euro como moeda continental, sepultou mercados de cambio seculares, cedendo lugar aos “derivativos” e “subprimes”.
Estimativas razoavelmente confiáveis, consideram que, a atual crise financeira, envolve hoje, negócios da ordem de US$531 trilhões de dólares em contratos de derivativos; a maior parte, sem lastro de sustentação, sem regulamentação ou mesmo fiscalização adequadas. A titulo de comparação, em 2.002 esta cifra atingia US$106 trilhões – um crescimento de 400%, num curto espaço de seis anos. Percentual exponencialmente superior ao crescimento do PIB médio das nações envolvidas.
As bolsas de valores, que refletiram nos últimos dias a dimensão da crise, por serem uma espécie de “termômetro” dos mercados, experimentam a sensação de “pânico” dos investidores. Mergulharam nas ultimas horas, num ritmo “non-stop”, acumulando até então, perdas avaliadas em US$6,2 trilhões. A cifra equivale a aproximadamente, seis vezes o PIB brasileiro; um baque colossal.
Uma crise global, demanda soluções globais, num mundo onde há muitos paises em conflitos de toda ordem, tornando difícil pactuar acordos multilaterais, onde há diferenças relevantes. Investidores nos EUA, buscam proteção ainda, no velho dólar; talvez movidos pelo lema nacional: “In God we trust” – pouco relevante, numa crise de confiabilidade. Mas, ainda resta Deus. – Paulo Mendes – Economista.
Robert Schiller, em seu livro: “Exuberância irracional”, enumera alguns fatores que, contribuíram ou foram decisivos para eclosão das sucessivas crises no período:
1 – Mito da Revolução da Informação: o advento da Internet, leva as pessoas a supor que ela tem uma enorme importância econômica. Paralelamente, os lucros das empresas americanas aumentaram firmemente experimentando forte impulso a partir de 1994, em decorrência da recuperação da economia após a recessão de 1990-1991. Segundo o autor, isso nada teve a ver com a Internet, mas, criou-se o mito que a nova tecnologia de informação, havia criado uma era de crescimento continuo dos lucros.
2 – Triunfalismo e declínio dos rivais estrangeiros: reformas econômicas na China, a partir de meados da década de 70, e o fim da URSS em 1991, geram crescente confiança no sistema capitalista dominante, que transborda para uma confiança crescente no mercado norte-americano. O declínio do mercado japonês a partir de 1989, com uma recessão de 10 anos e a crise financeira da Ásia, em 1997-1998, é interpretado como enfraquecimento de rivais econômicos importantes dos EUA e, visto como boa noticia para as empresas norte-americanas.
3 – Mudanças culturais: um crescente materialismo, leva as pessoas a considerarem “obter mais dinheiro”, como opção para levar uma vida boa. Isso impulsionou os investimentos em ações, como alternativa de rápido enriquecimento.
4 – Deduções nos impostos sobre ganhos de capital: em 1994, o Senado americano aprovou redução dos impostos sobre ganhos de capital, de 28% para 20%. Cria-se uma expectativa de reduções futuras e, os investidores adiam a venda de ações, sustentando preços elevados.
5 – A geração do pós-guerra: os EUA viveram forte expansão demográfica nos anos 1946-1966. Na virada do novo século, essa geração amadurecera, com idades entre 35 a 55 anos; representando forte demanda por investimentos em ações, fundos, etc, como alternativa para financiar suas aposentadorias.
6 – Expansão dos programas de noticias de negócios na mídia: o aumento considerável de programas e reportagens sobre negócios, na mídia, tal como acontece em relação a produtos de consumo, leva as pessoas a conhecerem e se familiarizar com os mercados e seus novos atrativos de investimentos.
7 – Previsões cada vez mais otimistas dos analistas: os analistas relutam em recomendar a venda de qualquer coisa: a) uma recomendação de venda, pode provocar a ira da empresa envolvida; b) os analistas são cada vez mais, empregados das próprias empresas, que lançam ações na bolsa.
8 – Expansão dos Planos de Aposentadoria com contribuição definida: as reformas na natureza dos planos governamentais de aposentadoria dos empregados e funcionários públicos, incentivam as pessoas a aprender como fazer investimentos e a fazer escolhas no mercado, estimulando os investimentos; uma preocupação antes inexistente, face ao caráter paternalista de muitos sistemas públicos.
9 – O crescimento dos fundos mútuos: a busca frenética por opções de investimento que assegurassem rendas futuras, leva à multiplicação de instituições especializadas neste mercado, a tal ponto que, nos EUA, o numero de fundos de investimentos, chega a superar o numero de ações listadas na bolsa de valores de NY.
Ainda seguindo os fatores enumerados por Schiller:
10 – A expansão no volume de negócios: O aumento do acesso aos mercados produz ampliação descontrolada do próprio mercado e diversificação das modalidades de negócios, em ações, títulos de renda, opções, derivativos, commodities, moedas, etc. Entre 1982 e 1999, por exemplo, a taxa de giro (o total de ações vendidas em um ano dividido pelo numero total de ações) na bolsa de NY, aumentou de 42% para 78%. Esse aumento, em grande parte foi estimulado pela redução das comissões de corretagem nos EUA.
11 – O aumento das oportunidades de jogos a dinheiro: até 1970, as oportunidades legais de jogos de azar, nos EUA, resumiam-se praticamente às corridas de cavalos. Em meados da década de 70, observa-se expansão das loterias e, a partir de então, multiplicam-se também os cassinos. O aumento das instituições de jogos de azar e a maior freqüência destes jogos, contribuíram para a supressão das “duvidas” naturais contra os riscos – fator psicológico - com reflexos na expansão dos mercados financeiros, face as características similares de um “jogo”: liga-se um computador, digitam-se alguns dados, recebe-se um comprovante e, mergulha-se num fenômeno nacional contagiante.
Todos esses fatores combinados, criaram uma “psicologia” coletiva de alta continua dos preços das ações e demais títulos que, ao impulsionar a demanda por aplicações, se tornou “auto-realizável” – a denominada “exuberância irracional”, segundo Alan Greenspan, consistiu num aumento continuo dos preços dos títulos, sem “fundamento racional”, porque não acompanhado de aumentos na mesma proporção dos lucros e dividendos.
O contexto da combinação de fatores citados, alimentado pela diversificação e ampliação de negócios, teve na globalização dos mercados, um terreno fértil, para fazer prosperar uma integração crescente. A redução das taxas de retorno praticadas nas nações mais desenvolvidas, estendeu o ambiente especulativo a novos horizontes, atingindo os denominados paises emergentes, como o Brasil, na busca frenética por maiores lucros.
A denominada “bolha imobiliária”, e paralelamente os “subprimes”, nasceram sob influencia da avidez por novas modalidades de negócios, gerando as derivações deles decorrentes. Na Europa, o advento do euro como moeda continental, sepultou mercados de cambio seculares, cedendo lugar aos “derivativos” e “subprimes”.
Estimativas razoavelmente confiáveis, consideram que, a atual crise financeira, envolve hoje, negócios da ordem de US$531 trilhões de dólares em contratos de derivativos; a maior parte, sem lastro de sustentação, sem regulamentação ou mesmo fiscalização adequadas. A titulo de comparação, em 2.002 esta cifra atingia US$106 trilhões – um crescimento de 400%, num curto espaço de seis anos. Percentual exponencialmente superior ao crescimento do PIB médio das nações envolvidas.
As bolsas de valores, que refletiram nos últimos dias a dimensão da crise, por serem uma espécie de “termômetro” dos mercados, experimentam a sensação de “pânico” dos investidores. Mergulharam nas ultimas horas, num ritmo “non-stop”, acumulando até então, perdas avaliadas em US$6,2 trilhões. A cifra equivale a aproximadamente, seis vezes o PIB brasileiro; um baque colossal.
Uma crise global, demanda soluções globais, num mundo onde há muitos paises em conflitos de toda ordem, tornando difícil pactuar acordos multilaterais, onde há diferenças relevantes. Investidores nos EUA, buscam proteção ainda, no velho dólar; talvez movidos pelo lema nacional: “In God we trust” – pouco relevante, numa crise de confiabilidade. Mas, ainda resta Deus. – Paulo Mendes – Economista.
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